Por Danielly Magioni

O que é a criatividade? Por que as crianças são mais criativas do que os adultos? Por que precisamos ser criativos? Como fazer com que uma criança cresça criativa? São várias as dúvidas em torno do tema. Por isso, preparamos algumas dicas para pais e mães, e outros educadores, entenderem melhor sobre o assunto e ajudarem os pequenos a manter viva a sua veia criativa, cada vez mais importante no mercado de trabalho.
Pensadores como Steinberg & Lubart (1995) definem criatividade como a habilidade mental de produzir algo que é novo, original e inesperado, e que possa ser aplicado e utilizado na resolução de problemas. A psicologia, por exemplo, possui uma série de definições sobre a criatividade. Acredita que seja uma qualidade adquirida por indivíduos curiosos, persistentes, perceptivos, com facilidade para o desenvolvimento de habilidades, empreendedores.
Algumas pesquisas definiram criatividade em três palavras. A primeira delas é “insight”, nada mais, nada menos do que aquele clique que surge no cérebro quando temos uma ideia. Em 2004, o psicólogo Mark Beeman, da Universidade North-Western, nos Estados Unidos, conduziu um estudo que mediu a atividade cerebral dos voluntários durante um insight. Ele observou um aumento significativo na atividade do lado direito do cérebro.
É esse hemisfério que interpreta dados mais grosseiramente, ou seja, a informação é definida de maneira menos acentuada, o que permite ter acesso a outros conceitos mais facilmente, um componente-chave da criatividade. Há pesquisas que mostram que podemos ativar o lado mais criativo do cérebro quando descrevemos objetos ou tentamos resolver problemas de uma forma que não estamos habituados.
Faça o teste aí: quantas ideias você consegue ter a partir da mesma coisa? Quantos usos você consegue dar para um prato, por exemplo? Isso é o que os pesquisadores chamam de pensamento divergente, e é mais uma palavra que define criatividade. Além disso, a terceira palavra é o improviso, algo que os cientistas conseguiram descobrir ao analisarem exames de músicos de jazz, mestres nessa arte de improvisar.
Mas, como nem tudo é unanimidade, há pesquisadores que acreditam que a criatividade ocorre em toda a região cerebral, não sendo possível definir um local específico para ela. Ou seja, não existe uma região exclusiva do cérebro responsável pela criatividade. Ao contrário, é fruto da interação de várias estruturas cerebrais.
Nascemos criativos?
Mais uma vez, vemos opiniões diversas sobre o tema. Para alguns cientistas, a criatividade é um fenômeno resultante de um conjunto de funções e comandos de nosso cérebro, como uma habilidade humana. E isso não seria exclusivo de uma ou outra pessoa, e nem um dom, mas apenas caminhos e gatilhos que podem ser aperfeiçoados, treinados. Em resumo, todos nascemos criativos.
Por outro lado, existem pesquisadores que defendem que a criatividade não é nata, mas se desenvolve como capacidade para dominar situações, equilibrar realidade e desejo. Seguindo essa linha de pensamento, a criatividade não nasceria com as crianças, mas se desenvolveria nelas, principalmente com a brincadeira. É o que pensam pesquisadores russos, por exemplo. Eles acreditam que a criatividade ocorre devido à consciência que as crianças tomam do mundo adulto.
Fato é que não existe um consenso entre os vários estudos científicos afirmando que a criatividade é uma questão puramente genética. Para muitos, ela pode ser aprendida e desenvolvida ao longo da vida. Eles acreditam que, embora a genética tenha, sim, alguma influência ao evitar que ocorra o bloqueio criativo, por exemplo, o ambiente em que a pessoa cresce, seja na família ou na escola, interfere muito mais em sua capacidade de criar.
“A capacidade criativa é algo que pode ser alimentado e crescer ao longo do tempo. Mas, muitas vezes vamos perdendo a motivação para ser criativo, para assumir riscos, para tentar algo novo, perseverar em meio a dificuldades e falhas. Precisamos de motivação intrínseca para a criatividade”, diz Beth Hennessey, professora de psicologia e pesquisadora de Criatividade da Wellesley College, nos Estados Unidos.
Pensando em ajudar seus filhos a se manterem criativos, muitos pais e mães já estão buscando instituições de ensino que trabalhem para desenvolver essa característica. Sabemos o quanto o cérebro infantil é plastico e quão grande é a sua capacidade de aprendizado. Alguns métodos, como o Montessori e o Waldorf, são conhecidos por estimular a criança e vão contra a corrente da escola coercitiva, que mata a criatividade. Vamos falar mais sobre isso no decorrer do texto.
Por que precisamos ser criativos?
Neste momento, você pode estar se perguntando: por que meu filho precisa tanto ser criativo quando adulto? Ou, pode pensar que ele só fará uso disso em profissões específicas, como a publicidade. Sentimos dizer que você está enganado! A criatividade é hoje um dos diferenciais no mercado de trabalho. Em uma pesquisa da Korn/Ferry com 365 gestores, 56% deles apontaram a criatividade como a característica mais desejada nas contratações.
Imagine, então, daqui a alguns anos, quando existirão profissões que ainda não foram inventadas! Foi isso o que revelou um estudo realizado pela Dell Technologies, prevendo que, por causa dos avanços tecnológicos, cerca de 85% das profissões de 2030 ainda não existem hoje. A pesquisa foi conduzida pelo Institute for the Future.
Voltando à pergunta, vamos a mais um estudo que mostrou a importância da criatividade na vida adulta. A pesquisa StateofCreate, realizada pela Adobe, revelou que as pessoas que se identificam como criativas têm uma renda 13% maior do que as não criativas. Ao mesmo tempo, empresas – como uma gigante global de tecnologia e inovação – permitem que os trabalhadores invistam 15% do seu tempo em projetos paralelos, com o objetivo de incentivar a sua criatividade e, com ela, solucionar problemas.
Já se sabe também que uma infância mais lúdica aumenta o potencial criativo das crianças. Outro estudo, o Buenos Días Creatividad (Bom Dia Criatividade), realizado pela Fundação Botín, na Espanha, e por especialistas de outros países, mostrou que uma educação rica em artes na infância pode aumentar em 17,6% as chances de uma criança ingressar no ensino superior e conseguir um bom emprego.
Além disso, revelou que a ausência de atividades criativas pode aumentar em cinco vezes as chances de um jovem, a partir dos 26 anos, de depender de ajuda financeira dos pais ou de assistência pública.
Precisa de mais dados? Outra pesquisa, desta vez da Universidade Estadual de Michigan, nos Estados Unidos, comprovou que as crianças que participam de atividades criativas na infância têm mais chance de se tornarem adultos inventores. Um grupo de ex-estudantes de Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática foi analisado e os pesquisadores observaram que os que haviam se tornado bem-sucedidos quando adultos fizeram atividades que estimulam a criatividade durante a infância.
E, é claro, os benefícios não se resumem a isso. As empresas procuram trabalhadores criativos pois esses, naturalmente, sabem como lidar com diferentes tipos de situação, são flexíveis e encontram soluções para problemas aparentemente indissolúveis. Com isso, a criatividade aparece como característica básica de alguém com perfil empreendedor.
Por que as crianças são mais criativas do que os adultos?
Certamente, você já observou o quanto as crianças são criativas. Mas, a maioria delas perde essa característica com o passar dos anos. Há quem atribua isso ao medo. Sim, porque os pequenos ainda não desenvolveram o senso de autopreservação que os adultos têm e, por isso, podem se lançar nas ideias consideradas mais absurdas, ou seja, não têm pudores de expor as suas ideias.
Para Gardner (1993) e Ayan (1997) acontece um pico de criatividade durante a infância e, à medida que as pessoas vão crescendo, a influência dos limites e das regras que são assimiladas pela educação e também impostas pela sociedade inibem o potencial criativo de tal forma que, aos 25 anos, o ser humano possui apenas 2% da criatividade original.
Foi o que constatou uma pesquisa realizada pela Nasa sobre a diminuição da criatividade ao longo dos anos. Na primeira fase, das 1,6 mil crianças com 4 e 5 anos, 98% apresentaram alta criatividade. Quando elas completaram 10 anos, um novo teste foi feito e o resultado mostrou um percentual bem menor: 30% continuavam criativas.
Aos 15 anos, o grupo foi analisado mais uma vez. Desses, apenas 12% mantinham altos índices de criatividade. Além disso, esse mesmo teste foi aplicado para mais de 200 mil adultos, sendo que somente 2% se mostraram altamente criativos. Com isso, os pesquisadores concluíram que ao longo da vida aprendemos a ser “não criativos”.
Outro estudo, divulgado na publicação oficial da Academia Nacional de Ciências, dos Estados Unidos, foi feito com um grupo de participantes de várias idades – pré-escolares de quatro e cinco anos; outros de seis a 11 anos; adolescentes de 12 a 14 anos; e adultos – e propôs para eles um desafio de encaixar blocos. Havia duas soluções, uma mais óbvia e comum e outra mais incomum, para que eles se acendessem.
A maior parte dos adultos foi pela solução mais óbvia e as crianças em fase pré-escolar apresentaram a explicação nada comum. Já aquelas em idade escolar foram um pouco menos criativas e houve uma sensível queda entre adolescentes. Entre as explicações para a queda da criatividade ao longo dos anos está o fato de que, quando envelhecemos sabemos mais coisas. E isso pode ser uma vantagem, mas também pode nos levar a ignorar experiências que possam entrar em contradição com o que já pensamos. Isso porque costumamos nos fixar no nosso modo de encarar as coisas e não mudamos.
Outra explicação seria o que os cientistas chamam de exploração e aproveitamento. Isso quer dizer que diante de um novo problema, os adultos aproveitam os conhecimentos adquiridos a respeito do mundo para, rapidamente, encontrar uma solução óbvia em meio às que já temos, evitando perder tempo com novas ideias que podem não dar certo.
A boa notícia é que muitos acreditam ser possível voltar aos 98% de criatividade obtidos pelas crianças no estudo desenvolvido pela Nasa. O autor da pesquisa, Dr. George Land, é um deles.
Escolas matam a criatividade?
Ainda falando sobre a pesquisa realizada pela Nasa, os cientistas defendem que é a escola a principal responsável por matar a criatividade das crianças. Esse foi o tema de uma palestra do educador e escritor Ken Robinson, realizada em 2006. O vídeo foi parar no Youtube e hoje já conta com mais de 16 milhões de visualizações.
Robinson parte da premissa de que o nosso sistema educacional atual acaba com a criatividade e a curiosidade naturais dos jovens, ao forçá-los a se encaixar em um molde acadêmico impositivo. Para ele, esse molde pode até funcionar bem para alguns, mas para a maioria somente faz com que as paixões e habilidades inatas sejam ignoradas ou até mesmo destruídas pelo sistema de educação.
Outros cientistas concordam. Doutor Peter Gray, professor de psicologia do Boston College e autor do livro “Livre para Aprender” e também do artigo “A escola é uma prisão e está destruindo nossas crianças”, argumenta que todas as crianças gostam de aprender e de explorar o mundo com entusiasmo e dedicação. Mas, tudo isso acaba quando entram na escola.
Para dar mais embasamento a essas observações, um estudo feito pela professora Alison Gopnik, da Universidade de Berkeley, nos Estados Unidos, com crianças de quatro anos de idade, assim como estudos similares feitos pelo MIT, revelaram que o aprendizado direcionado por si próprio, em oposição à instrução coerciva, eleva a criatividade, a capacidade de pensar e a qualidade do aprendizado.
Durante essas pesquisas, as crianças aprendiam como manipular um brinquedo específico, que emitia sons ou exibia figuras em sequência. Ela descobriu que aquelas que foram diretamente ensinadas sobre como usar o brinquedo conseguiam replicar os resultados rapidamente e chegavam à resposta certa por conta própria ao imitar o que era mostrado.
E, quando as crianças tinham a liberdade de aprender sem qualquer instrução direta, de brincar livremente com o brinquedo e descobrir os recursos por conta própria, elas conseguiam chegar à resposta certa mais rapidamente, ou seja, em menos etapas do que as crianças ensinadas pelo adulto. Além disso, elas descobriram partes do brinquedo que as outras não descobriram.
“A instrução direta talvez possa ajudar as crianças a aprender fatos e habilidades específicas. Mas, e quanto à curiosidade e à criatividade — capacidades essas que, no longo prazo, são ainda mais importantes para o aprendizado? Ao passo que aprender com um professor pode ajudar as crianças a obter uma resposta específica mais rapidamente, tal método também faz com que elas sejam menos propensas a descobrir informações novas sobre um problema e a criar novas e inesperadas soluções”, explica Gopnik.
Como estimular a criatividade?
Buscar escolas que estimulem a criatividade pode ser um grande começo. Mas, em casa, pais e mães também podem auxiliar a criança nesse sentido. Por exemplo, a brincadeira é uma excelente oportunidade de aprendizado para os pequenos, como explica Luciane Motta, que é especialista do MundoemCores.com (http://www.mundoemcores.com), autora do curso online Desenvolva seu Filho Brincando, e idealizadora da Casa do Brincar, em São Paulo.
“É pelo brincar que a criança se relaciona com as outras, que exercita habilidades motoras, físicas, sociais, os conflitos que surgem na brincadeira, a criatividade, a inventividade. O tempo ocioso é superimportante porque ela vai pegar os recursos ao alcance e inventar uma brincadeira. E é na brincadeira que a gente vai dar a possibilidade de ela entender o mundo, de repetir pelo faz de conta as situações que ela vê e entender como as coisas funcionam. Enfim, a brincadeira é um exercício pra vida”, explica.
Também é importante criar um ambiente familiar que seja favorável à criatividade. E uma das bases para isso é a autonomia. Sim, porque a criança precisa ter autonomia para criar, para que tenha experiências próprias e explore o seu mundo. Por isso, tenha cuidado com o excesso de regras, que tornam as crianças rígidas e inflexíveis.
É claro que um lar baseado no respeito às ideias, na confiança, no diálogo é fundamental. Ah, e cuidado com as críticas, pois elas bloqueiam o processo criativo da criança. No mais, deixe acessíveis materiais diversos, como massinhas, papéis, giz de cera, tintas para que ela possa se expressar. Estimule a criatividade no dia a dia, leve seu filho para viver experiências, para conhecer lugares e culturas, para assistir a uma peça de teatro.
E, para finalizar, mais uma pesquisa interessante. Um estudo feito pelas Universidades Radboud, na Holanda, e a de Tecnologia de Sydney, na Austrália, mostrou que músicas alegres podem aguçar a criatividade humana. Elas funcionam por serem mais estimulantes e, por esse motivo, despertam o cérebro.